ALMA ALGARVIA

Por: Margarida Rebelo Pinto

Falar de sexo também é falar de vida. A vida a pulsar nas veias, a pele a respirar outra pele, o prazer misturado com amor, todas as sensações num só tempo e lugar, uma celebração da existência, o oposto da morte.
Há muito anos, no final da minha adolescência, quando Portugal começou a despertar do marasmo intelectual clandestino e o Bairro Alto ainda não era um recreio de bêbados oriundos da periferia e as pessoas conseguiam e gostavam de conversar no Frágil, um amigo meu tentou justificar-me a sua vocação de predador com a teoria simplista de que cada queca representava mais um passo a afastá-lo da morte.
Nunca levei a sério a conversa dele, sempre me soou a cantiga do bandido, até porque o mesmo amigo, anos mais tarde, casou e acabou por admitir que afinal o que o afastava da morte era a existência dos seus filhos.

Ao atravessar já duas décadas da chamada vida adulta tenho notado em algumas pessoas que me rodeiam um desinteresse crescente pelo sexo; mulheres divorciadas que se cansam de andar aos encontrões e que preferem a abstinência a deixarem-se levar por um idiota qualquer, homens que sentem que as suas capacidades já não são as mesmas, que desenvolvem uma certa misogenia surda pelas mulheres em geral depois de uma bofetada no ego em forma de divórcio, mulheres e homens que mudam a sua orientação sexual, ou que simplesmente desistem deste. Mesmo assim, continuo a acreditar que o sexo, enquanto força motriz da vida, é fundamental para uma vida feliz e admiro com um misto de estranheza e respeito quem opta pela via da abstinência.

Deitada numa maca a caminho do hospital, tentando adivinhar pelo perfil dos prédios que rasgavam as janelas altas o itinerário escolhido pelos paramédicos, com uma artéria entupida, aquilo a que clinicamente se chama um AVC (acidente vascular cerebral), nunca deixei de me sentir agarrada à vida. Tenho um filho com 11 anos, tenho os meus pais, irmãos, cunhados e sobrinhos todos vivos e de boa saúde, tenho amigos que são a minha segunda família, tenho um livro a sair, três romances na cabeça, esta e outras páginas de jornais para escrever.

Depois do susto, de regresso a casa, aos meus livros e discos, aos abraços dos meus amores, senti que ia viver de novo. Escapei ilesa, sem um beliscão no corpo e sem marcas graves no organismo. Tive sorte e sinto que, agora mais do que nunca, me vou agarrar à vida, da qual o sexo felizmente também faz parte. E foi então que me lembrei da teoria do meu amigo, destilada entre dois JB – era moda, nos anos 90 –, e não pude deixar de sorrir, sozinha, sentada na minha sala, a ver os barcos que deslizam devagar sobre o rio azul. Talvez o meu amigo tivesse alguma razão. Há algumas coisas que dão sentido à vida; no meu caso, o amor vem primeiro, mas o sexo vem quase logo a seguir.