17 maio, 2009

O Saco Azul da Cooltura (ou o moustache eliminado)

Saco Azul começa por se referir às importâncias provenientes de imprevistas receitas casuais, sem classificação oficial, de onde saíam verbas para despesas suplementares, em certos serviços públicos que, deste modo, ultrapassavam a rigidez do contabilístico sistema estatal.

A generalização desta prática — e o aumento das fontes menos imprevistas, também inqualificáveis —, bem como o mau uso, transvio e sumiço de valores, fizeram dela crime e carregaram o belo termo aveludado com a sua negativa conotação actual.

Porém, o dito Saco, fictício para os que lhe negam a existência, nunca perdeu o sentido mágico de entidade, lugar ou função, em oportuna metamorfose, que bafeja quem o engendra e detém.No interim, a vigilância democrática, que exige rigor e transparência na aplicação de fundos públicos, incompatibilizou-se indirectamente (por via da obscura origem dos paralelos financiamentos) com o custo exorbitante das campanhas eleitorais.

Perante isto, e posto de lado o recurso ao antigo Saco — assim arrumando com este suspeito incómodo assunto —, os políticos viram-se obrigados a um esforço cruel de criatividade. E a mutação teve lugar. Só tal explica que, após por certo pouca reflexão, aos edis logo tenha ocorrido dar novo fim aos fundos, estatais e autárquicos, que à cultura se destinavam. Por que não? Afinal, o que é que não é cultura?! Já sinónimo genérico de entidade surreal, por onde milagrosas verbas brotariam em silêncio para se escoarem secretamente como benesses nos que o controlam, o velho Aladino, que antes inspirara mentes avançadas, assume então, integralmente, nova roupagem, e de níveo coolarinho.

Agora, a confusão quanto ao destino (ou fim) de tais recursos, não só não preocupa os que destes mais próximos estão como é por eles, como tesouro, mantida e acarinhada.Com efeito, das frouxas verbas que se diz serem para o fomento da cultura, no país ou na região, apenas uma ínfima parte é entregue a mãos devidas — de resto, a grande maquia sustenta instituições públicas e remunera a corte de “quadros” politicamente nomeados; estes, já sintoma do culto do sacro Saco que diligentemente os alimenta, por sua vez, administram-na garantindo o mínimo possível de produção artística, zelando de forma a que os parcos frutos, preferencialmente neutras metáforas redundantes, sejam creditados ao mais resplandecente astro político de que dependem.

Basta atentar na profusão de eventos promovidos pelos detentores de cargos públicos: são homenagens póstumas e/ou reconhecimentos de certa carreira; é a atribuição de prémios a ilustres que aceitam; são as comitivas oficiais, incluindo mostras artísticas e beberetes; inaugurações do regime, normalmente edifícios lindos de que se ignora o destino a dar; é o Allgarve do coolturismo; os comícios apadrinhados pelo top dos pop, etc., tudo ‘cultura’. Como outrora com os pintores, que retratam reis, pintam estandartes e decoram festas, não há quem não possa a priori entrar neste Saco actualizado, quem não saia pronto-a-usar para que rebrilhe o poder-que-está.

Cá por Faro, tudo isto é bem sabido do nosso augusto Apolinário, não admira, portanto, que não exista plano de desenvolvimento cultural do Concelho (!), nem critérios públicos e transparentes para a atribuição dos recursos municipais à cultura; tão-pouco espanta a sua recusa em ouvir os activos agentes culturais da cidade — e estão aqui as condições necessárias para que o renovado Saco se continue a poder enfiar.

O princípio é simples e eficiente: do orçamento para a cultura, descontado o encargo obrigatório com instituições camarárias, sobrará um quanto que, em ratio desconhecido, há-de servir para fundações, autores ou associações e, obviamente, de garantia às mais diversas cool ‘acções’.Como qualquer outra, esta parcela fica à discrição do autarca que a atribui, ritualmente, de acordo apenas com interesses altruístas, estritamente eleitorais. E eis aí que se manifesta a cooltura mais verdadeira; festinhas com vedeta até milhares de muitos euros; certames e respectiva animação; a vénia ao Sr. Ministro dos Allgarves; o Second Life; bandeirolas e outdoors; apoios a coolectividades recreativas, excursionisto-desportistas — enfim, onde haja potenciais votos a angariar. Deste modo, em plena crise, não apenas atira para longe de Faro o dinheiro que se resguardou de atribuir, como deveria, ao desenvolvimento da actividade cultural e artística do Concelho, como, para mais, em consequência de tal desmando, se vêem instituições para isso vocacionadas impedidas de aceder a fundos, nacionais ou internacionais, com que contribuiriam para a economia farense.

Mesmerizado na obsessão de entorpecer o discernimento do comum farense com tanto e tão singular entretém, nada parece perturbar o cool autarca que, airosamente, assim vai sabotando qualquer actividade cultural que acorde o espírito crítico dos munícipes — não vão estes reparar em seus exemplos elementares de vulgar mediocridade.Acontece que, por não parar com a auto-promoção, após quatro voltas totais ao sol, o edil foi-se tornando presença familiar; com seu porte mediano, fato de escuro, tez morena e, relevo grave, o apêndice capilar orlando um lábio superior, este político cinzentão, tipo velha-guarda, de oratória oca banal, denotando falhas ao imaginário, foi-se revelando aos eleitores. Ora, constatando a mísera imagem que projectou — apesar de tanto ter aberto cordões para artimanhas populares —, e nada tendo de palpável para mostrar a cidadãos, há poucos dias, decerto iluminado por conselho sapiente, eleição já sob as vistas, decidiu-se pelo sumo sacrifício: imolou o próprio moustache.

O bigode, despromovido já dos cânones da moda contemporânea, ainda seria coisa para conferir fiabilidade à patriarca, algo digno, municipal; rapado ficou, quiçá, com ar um pouco mais de cool, porém também o upgrade na figura fornece prova definitiva da sua fibra vertebral. Ao menos, pelo que mostra estar disposto a empenhar, saberemos todos com o que se conta.

Vasco Vidigal - Artadentro Associação (*)

(*) Este texto destina-se a suscitar e a estimular a reflexão sobre o tema àqueles que por ele se possam interessar. Não pretende ser exaustivo na apreciação dos efeitos nefastos das já tradicionais políticas de "apoio" à cultura e/ou dos já tradicionais políticos que se apoiam na cooltura, no Algarve e em Portugal. Quanto à evolução do ‘fenómeno’ farense referido, ele sublinha a pertinência do nosso projecto artístico Incito, projecto que tem a C. M. de Faro e os seus protagonistas como espécimes preciosíssimos para uma contínua e rigorosa observação laboratorial. Informação que permita corrigir factos referidos, dar deles nova interpretação ou acrescentar outros, melhores ou piores, será bem vinda. Não podemos prometer que a noção de cooltura não venha a ser aprofundada.

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